A hierarquia das mortes

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Está combinado, se for pra morrer que seja de desastre aéreo. Não tem morte mais consagradora. Se possível, em avião da Air France e em linha internacional. Air France é nome glamuroso, parece griffe. Morrer de Airbus também pega bem, Airbus é um nome poderoso, matador. Se o negócio é a fama do outro lado, o nível cai se você levar pau em linha doméstica. Fuja de TAM ou GOL, é azar em dobro, além de morto você estará esquecido logo.
Nas condições da primeira parte acima, fora o azar de ter desencarnado, você tirou a sorte grande. É muita badalação. O deletado, por mais meia boca que seja (um eventual brazuca emigrando para lavar pratos, por exemplo), nem bem despenca e já vira celebridade, a família é entrevistada (tem vigília na casa), comunidades choram por quem nem conhecem, missas são rezadas, etc. Tratamento de Pop-Star.
Se Lima Barreto pensava que "a morte nos iguala a todos", a grande mídia não acha. A ordem de valores que TV's têm pra classificar defecções por acidente é fatal. Por observação, nosso radar captou a seguinte escala, por ordem de importância/ibope:

• desastre aéreo, sem sobreviventes, avião desaparecido, linha internacional, Air France, American ou JAL - nível 10 na escala e meses de exposição
• TAM ou GOL sem sobreviventes, linha doméstica - nível 8 e um mês de mídia
  
• jatinho executivo, sem sobreviventes - nível 6 e quinze dias
  
• ônibus, Besta, vans em geral, com ou sem sobreviventes - nível 4 e três dias
• morte na BR 101, independente do número de baixas - nível 2 e nota no jornal da TV local (se sair à tarde não sai à noite e vice-versa)
• motoqueiro - nível zero na escala e passa batido na TV (Rádios divulgam - às vezes)

Nos três primeiros itens da escala há um plus de mídia em caso de alguém escapar (sobreviver). Nesse caso, a exposição passa a depender do nível social ou financeiro do sortudo ou grau de parentesco dele com alguém bem situado.
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