A mulher foi falar com o Vereador jurando não ter como fazer o funeral do parente. Disse que a família era pobre e os preços pedidos pelos funerárias locais enterravam qualquer possibilidade de um funeral decente.
O Vereador concordou em ajudar. Junto com a mulher visitou algumas lojas e confirmou o que ela dissera. Por mais simples que fosse – caixão de terceira, nada de flores ou cruzes, não sairia por menos de R$ 200. Evidente que ele não poderia pagar. Parecia pouco, mas considerando o número de pedidos que chegam diariamente, era muito. Poucas, na verdade, eram as alternativas. O cadáver estava lá e, por mais duro que o problema parecesse, enterrá-lo era preciso.
Sempre acompanhado pela parenta do falecido, o Vereador contatou uma funerário de Içara, que propôs:
- R$ 40 à vista, mais a carteira profissional do morto para requerer o auxílio do INSS.
Topado na hora.
Combinaram detalhes e em seguida os três – Vereador, parenta e Agente Funerário, rumaram para o hospital.
Lá, no necrotério, diante do corpo nu e rígido, esticado na mesa de granito gelado, eles foram atendidos por um funcionário tão animado quanto o seu cliente ali deitado. Após as apresentações necessárias, o Agente Funerário avisou que iria preparar o corpo e quando se aproximou da mesa foi interrompido pelo sombrio atendente.
- Um momento. Qual é mesmo a tua funerária?
- Deus te Quer. É de Içara.
- Pode parar. Vocês não têm autorização para operar aqui.
- E por que?
- Não tem por quê. Não pode e tá acabado.
Observando sem interferir, o Vereador percebeu tomando corpo a ação do falado cartel das funerárias que operar no pedaço. O esquema era simples: os defuntos eram rateados entre as lojas antes que a parentagem apresentasse uma preferência. O artigo único do estatuto desse clube fechado reza que o negócio é restrito aos “vivos” daqui. De Criciúma. Gente de fora não entra.
A coisa era tão séria que o atendente do hospital pediu licença, dirigiu-se ao granito, juntou o cadáver e com ele nos braços partiu em direção à porta dos fundos.
Nesse momento, o Vereador resolveu agir.
- Alto lá! – falou em tom enérgico, barrando a passagem. – Essa senhora é esposa do falecido. É ela quem decide.
- Pode ser, mas de Içara não pode.
- Quem disse? – falou alto. – Não tem lei que obrigue isso.
O outro, meio arcado com o peso, impacientou-se.
- E quem és tu para se meter?
- Eu sou vereador do município de Criciúma e estou defendendo os direitos dessa mulher, pra não dizer do morto.
- Não quero nem saber. Só cumpro ordens.
- Então, pode dar pra cá o corpo.
- Negativo! Daqui ele não sai.
O Vereador lançou mão de um último trunfo.
- Tudo bem. – falou olhando para a parenta e o Agente Funerário, os dois quietos desde que a discussão começara. – Vocês esperem aqui que já volto com a polícia.
E para o atendente:
- É assim, então?!
Pesou. Tanto que o cúmplice da maracutaia, muito do mal educado, bateu em retirada.
- Pega essa porcaria de uma vez.
Ele falou e empurrou o corpo pelado para o Vereador pegar. Não deu tempo. O primeiro largou, o segundo vacilou e a mulher armou o maior berreiro quando viu o falecido estatelado no chão.
Mas deu certo.
(*) Reprodução a pedido.
gostei
ResponderExcluirprezado blogueiro,
ResponderExcluirnão obstante as similitudes, quero crer que sua arguta metáfora serve para milhares de exemplos de monopólios que sordidamente costumam ocorrer neste país.
Publique-se,
Castor de Andrade Sobrinho(bicheiro)
adorei...é assim mesmo. Normal. Sempre rola uma porcentagem pra quem indica. É o Brasil meus amores....
ResponderExcluirExperimente ir retirar um obito em curitiba...La so as funerarias de la e que tem direito e o que mais me deixa indignado e saber que Curitiba e a melhor cidade do pais..
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