Dirigir é trabalho às vezes e prazer quase sempre; dirigir dá trabalho mesmo se faz por prazer; o dirigir pode ser prazer mesmo quando se está trabalhando.
E então? Trabalho ou prazer?
A discussão é meramente acadêmica. As definições se confundem na mesma medida da promiscuidade do ato. Todo mundo faz, a todo momento, em qualquer lugar. Ademais, mesmo quem gosta se esquece, durante, que aquilo é um instrumento de prazer. Mas, amiúde, a direção pode nos causar estresse também. Enfrentar a crescente proliferação de motoboys, frequentemente alheios as mais elementares regras de trânsito, irrita agora da mesma forma que galinhas e cachorros atrapalhavam antes. O detalhe é que estes são ditos criaturas inferiores face a ausência de imaginação, aparentemente a mesma virtude (imaginação) que aqueles têm de sobra para incomodar.
Cachorro e trânsito. Dupla que patrocinou a desconfortável situação na qual Zeb embarcou quando viajava para Araranguá, numa noite de sábado.
Entre o trevo do Sangão e a 101, o cachorro aguardava na beira da pista. Zeb foi se aproximando em velocidade e quando estava a uns cem metros os olhos do bicho brilharam no reflexo dos faróis. Nesse momento, enquanto seus olhares se cruzavam, uma possibilidade preocupante assaltou Zeb: “Quer ver que esse animal vai atravessar bem na minha frente?” pensou, torcendo para estar enganado.
Não estava. O cachorro, com toda sua inferioridade e carência de imaginação intuiu que dava. Zeb só teve tempo de firmar as mãos no volante para controlar o impacto que veio acompanhado de um forte estouro. O Vectra 2001, lindo, adquirido há apenas dois meses, deu uma balançada feia mas aprumou-se rápido. O motorista nem tanto, mas não parou. Assustado, enquanto fazia uma avaliação instintiva das condições reinantes, Zeb achou que pelo barulho tinha atropelado um terneiro. Mesmo assim ele entendeu que podia continuar. O carro aparentava estar bem e, afinal, havia um baile a sua espera.
Em Araranguá, em frente ao clube, muita gente, a noite começou a melhorar. Todo mundo olhava em sua direção. Era o Vectra, pensou enquanto rodava devagarinho, com o braço para fora da janela, à caça de uma vaga para estacionar. Estava fazendo sucesso. Manobrou lá na frente, voltou e confirmou: a temperatura estava aumentando… a do Vectra.
Quase fervendo. Só faltava aquilo. Zeb encostou, bem de frente para o povo e, com gestos estudados de quem sabe que está sendo observado, desceu, acendeu um cigarro e disfarçadamente caminhou para a frente do carro com o intuito de checar o motivo da fervura. Não acreditou no que viu: o cachorrão estava ali. Espetado na grade do Vectra, todo ensanguentado e olhando fixo para ele. Mortinho da silva.
Tanto a pose quanto a animação do criciumense desceram abaixo de zero na hora.
Trânsito irracional. O raro prazer de dirigir atropelado, mais uma vez, pelo veículo descontrolado do acaso. Noite de cão. Acidente de percurso com vítimas: animal, carro e balada.
(*) Reprodução da pedido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário